Quem paga a conta?

Desde o início da República, o Brasil recebe grandes eventos por vontade de governantes ou de grupos econômicos. A população permanece como espectadora de festas cujo legado é pequeno e o custo, alto

A República brasileira nasceu sob o signo da desconfiança. O movimento de 1889 foi deflagrado nas fileiras militares e pegou o povo de surpresa, “bestializado”, como alguém escreveu na época. Nos momentos seguintes, o novo regime precisou se impor à força, e os primeiros presidentes do país, os militares alagoanos Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, souberam usar de violência contra os dissidentes para defender o que acreditavam ser um bem maior: a consolidação de um estado “republicano”.
Findado o governo dos generais, a direção do Estado brasileiro se empenhou em divulgar interna e externamente uma imagem civilizada do país – rios e rios de dinheiro público foram gastos para, entre outras coisas, refazer o Rio de Janeiro, e, durante a Primeira República, grandes exposições procuravam mostrar para o mundo a pujança de um país no qual, na prática, a imensa maioria da população continuava dormindo e acordando tão pobre e desassistida quando no Império. A democracia, aos trancos e barrancos, parece ter chegado para ficar. Mas as decisões imperiais do Estado sobre grandes eventos continuaram a ser tomadas sem uma grande consideração sobre os temas que afligem a maior parte dos cidadãos.
Grandes eventos são realizados no Brasil unicamente por vontade de governantes ou de grupos econômicos muito poderosos – nos casos mais recentes, empreiteiras, conglomerados da mídia e entidades internacionais ligadas a práticas esportivas (estas últimas geralmente com enormes históricos de ilegalidades). Da primeira grande mostra da República, em 1908, à Copa de 2014, passando por demonstrações grandiloquentes de “civilização”, como a exposição de 1922, a Copa de 1950, a ECO 92 e o Pan de 2007, o que se vê do outro lado da fatura, entoando um grito raramente ouvido, é o restante da sociedade: mulheres e homens que sentem diariamente a qualidade de vida nas cidades brasileiras piorar, com transportes caros e disfuncionais, sistemas de saúde e educação que não conseguem, a despeito dos crescentes gastos públicos, cumprir suas funções mais básicas.
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